“Sofia recebeu seu nome em 1376. O nome se origina de uma mártir cristã chamada Sofia, que foi obrigada a testemunhar a tortura e a morte de suas três filhas por ordem do imperador romano Adriano no início do século II. Nas obras de Florensky, Sofia aparece nos livros de Salomão, os livros de sabedoria.
Sophia fala em seu próprio nome e representa uma identidade ligada à verdade.
Não é isso que talvez estejamos procurando? Então, nada melhor do que Sofia para nos lembrar.
Meu texto é um pouco poético, espero que possa ser claro para todos.
EU VIM
Eu surgi de dois, nem mais nem menos que dois,
mesmo que você não possua os dois,
nem mesmo os originais,
de lá eu surgi, de lá eu cheguei.
Nós nascemos conectados, sempre em pares,
dois que nos unem e dois que nos separam,
sem dois, inequivocamente não existimos,
ainda não foi inventado o sêmen nem o óvulo artificial.
Eu nem sei se vão inventar, eu duvido,
é muito complexo, não é!
Em princípio, dependemos de dois,
então pelo menos um, sempre presente, esperamos.
Esse um, esse outro, torna-se a pessoa mais importante do mundo.
Mesmo que ele ou ela não queiram,
Sem eles, nós não existimos; não temos lugar no mundo.
Para o bem ou para o mal, o outro sempre estará lá.
Não podemos confiar no mundo por conta própria;
Aprendemos a confiar no mundo confiando nos outros.
Ah, os outros, ah, os outros, há tantos que se apegam a mim,
há tantos que ficam e vão embora,
são tantos que vêm e vão,
desafiando o eu, o id, formando nosso consciente e nosso inconsciente.
Muitas vezes, eles penetram em meu âmago sem serem convidados:
o amante, o invasor, o abusador, os amigos e inimigos, os interessados em si mesmos.
A construção do eu acontece com e por meio do outro.
Nós hospedamos o outro em nós mesmos;
O corpo é o lar do eu e do não-eu.
Como resultado de nossos caminhos na vida, há elementos que traem nossa personalidade primária ou original.
Florensky, o filósofo russo, diz: “Em minha vida, meu coração foi habitado por ‘supostos eus’ parasitas.
A hospitalidade é uma necessidade humana, uma necessidade ética; hospedamos alguém dentro de nós.
Todo ser humano precisa de hospitalidade para ser.
Vamos chamá-la de núcleo essencial, o núcleo disponível que todo bebê, toda criança tem no sentido de interagir com alguém presente.
Também podemos chamar essa disponibilidade de “amar”; significa a disponibilidade de acolher e conhecer o outro em si mesmo, nos outros e em todos os outros.
O ato de conhecer é amor, uma ação ontológica; é abrir-se e abrir um espaço interior.
O “amado” vive em mim como outro eu, incorporado, incluído.
Meu eu já se torna sua pessoa em mim.
Quanto mais aberto eu estiver para as transações, mais eu sou ou posso ser.
O evento do encontro me transforma.
Há dois tipos de hospitalidade:
ontológica: através da história da humanidade, não é um núcleo psicológico, tem o poder da singularidade, da condição original do ser humano. A pessoa é ontologicamente um rosto, o rosto. Todo evento e toda ação formam sua possibilidade de ser.
psicológico: está sempre diante de alguém: o ser humano tem a liberdade de se dissociar e, por meio do verbo, amar e estabelecer conexões com os outros.
A existência é hospitalidade; o mundo se abre para que eu possa acontecer.
Quanto mais abertas as transições, mais eu sou.
O evento do encontro me modifica, para melhor ou pior.
O ato de conhecer é o amor, que é uma ação ontológica.
Pensar e ser estão em relação à nossa espécie animal em constante correlação.
A pessoa amada vive em mim como outro eu.
Meu eu se torna sua pessoa em mim.
Só podemos dizer “eu” se essa pessoa tiver sido amada e se essa outra pessoa viver nela.
Daí surge o “NÓS”…. a verdadeira experiência de comunidade:
conhecer, amar e acolher.
Ao longo de nossa trajetória como pessoa, as diferentes escolhas que fazemos determinam se a subjetividade nascida nas interações pode ser um fruto do núcleo essencial ou se pode ser bastante alienada e até mesmo divorciada do que seriam os princípios fundamentais da vida.
Estar aberto ao outro, nesse sentido, é uma dimensão comunitária da vida, estar em comunidade.
Aqui, sabemos que três grandes determinações moldam a existência:
a biológica (corpo, alma, sexo)
social (construção cultural, religião, organização familiar)
a psíquica (reproduções subjetivas, gênero, orientação sexual)
A questão de estar disponível para o outro implica disponibilidade para o diferente e o semelhante, às vezes para o idêntico. A constante transformação de nossa identidade depende exclusivamente dessas interações.
A identificação é tudo o que constrói nosso ser.
O desejo é direcionado a um objeto: é ter e não ser.
Em outras palavras, eu só existo sob o olhar do outro, graças ao olhar do outro. Portanto, é a alteridade que nos constitui.
Temos de libertar Prometeus para que possamos continuar a aquecer este mundo.
A lei da humanidade poderia ser colocada desta forma:
Se todos forem parecidos, a humanidade se dissolverá no nada; se todos não respeitarem a alteridade do outro, afirmando sua diferença de identidade, a humanidade mergulhará no ódio perpétuo ao outro.
Qualquer forma de ocidentalização do mundo, ou seja, a formação de guetos de identidade que, por medo de negar a existência do outro, vivem se espelhando em si mesmos, só pode resultar em desastre para toda a humanidade.
O relativismo cultural é a única maneira de expressar o universalismo da raça humana.
Isso vale para todos os diferentes e diversos tipos de humanidade.
Se você quer uma comunidade séria, aprenda com as diferenças.
Para lembrar onde estou:
Sabedoria: Sophia em Florensky aparece nos livros de Salomão, livros de sabedoria. Sophia fala em seu próprio nome. Sophia é uma identidade ligada à verdade.
Alguns exemplos de identidades e o eu:
Segundo João Paulo Lima Barreto ou João Paulo Tukano, Yupuri, indígena do povo Ye’pamahsã, doutor em antropologia, nos diz que além dos mitos, tomando o corpo como ponto de partida para os povos indígenas do Alto Rio Negro, o próprio mundo terrestre é um corpo. Um corpo feito de vidas. O mundo terrestre é considerado o corpo de uma mulher porque constitui todos os elementos para gerar novas vidas. O princípio é saber que o mundo terrestre é o útero de uma mulher; ele gera outras vidas por si mesmo. Nosso corpo, o corpo humano, é uma síntese de todos os elementos que constituem o mundo terrestre.
Qual é a diferença entre o nome de um animal, seja ele uma anta, um jaguar, uma galinha ou um cachorro? É o nome. Para nós, o nome é o que nos qualifica para sermos humanos, para sermos uma pessoa, para sermos pessoas. Portanto, o nome é o que me conecta à dimensão social; é o nome que me conecta ao meu conhecimento, à noção de território, de pertencimento, de cosmologia. É o que me qualifica para ser gente, para ser uma pessoa, e essa é a grande diferença entre um corpo humano e uma besta, uma planta, um animal.
O Adão bíblico tinha de saber o nome de tudo o que existe. Ele foi capaz de revelar o nome original de diferentes seres. Ser humano, ser também criatura, criação, com a qualidade de receber o nome de cada entidade, o nome é o reconhecimento do que é a dimensão social de cada ser, a condição original de cada ser.
A identificação é tudo o que constrói o ser e depende exclusivamente do outro, dos outros. Podemos ter vários tipos de identificação. O desejo, por outro lado, é algo que você gostaria de ter, de possuir, e não de ser.
A palavra Ubuntu é originária das línguas zulu e xhosa do sul da África e significa humanidade para todos. Nesse sentido, a Filosofia Ubuntu baseia-se em uma ética da coletividade, representada principalmente pela convivência harmônica com o outro e fundamentada na categoria do “nós”, como membro integrante de um todo social. Assim, este trabalho tem como objetivo refletir sobre os fundamentos da Filosofia Ubuntu, considerando-a como uma das várias correntes da filosofia africana.
A Filosofia Ubuntu resgata a essência de ser uma pessoa com a consciência de que ela é parte de algo maior e coletivo. Para isso, de acordo com os fundamentos da Filosofia Ubuntu, somos pessoas por meio de outras pessoas e que não podemos ser plenamente humanos sozinhos, sendo feitos para a interdependência.
Nesse contexto, ela se baseia nas relações entre o divino, a comunidade e a natureza. Entretanto, a Filosofia Ubuntu busca resgatar o conceito de Comum para alcançar a democracia, ou seja, uma multiplicidade de singularidades. Para isso, tem a igualdade como princípio fundamental e condicional para a existência do outro.
Eu sou porque nós somos. A filosofia Ubuntu consiste em estar aberto e disponível para os outros, apoiar os outros, não se sentir ameaçado quando os outros são capazes e bons, unir forças para obter melhores resultados e entender que a diferença entre nós é o que gera o verdadeiro crescimento. A filosofia Ubuntu trata da essência do ser humano que valoriza a importância do “eu” em sua busca de significado por meio do outro, em uma relação de interdependência construtiva.
Para os gregos, o que caracteriza a morte é a perda da identidade. Os mortos são, antes de tudo, “sem nome” ou até mesmo “sem rosto”. Para os gregos, todos os que deixam a vida tornam-se “anônimos”, perdem sua individualidade, deixam de ser uma pessoa.
Pois a identidade de uma pessoa passa por certos pontos, sendo o primeiro a sua inclusão em uma comunidade harmoniosa: um cosmos. Veja quantos gêneros estão procurando uma comunidade hoje, em algum lugar que se identifiquem, são quase iguais, pois pelo que acompanhamos, as diferenças causam discórdia e guerras devido à dificuldade e consequente medo do ser humano de se relacionar e aprender com o diferente.
O ódio é a repulsa ao amor. Não se pode falar de amor se não se fala de liberdade.
Os seres humanos só podem permanecer humanos, íntegros, durante as vicissitudes da existência, quando abraçam a totalidade das experiências da vida. Não posso ganhar sanidade, serenidade, se não conseguir surfar as ondas da existência.
Sêneca e Sócrates:
Jovens que sonham com o suicídio porque finalmente seriam levados a sério. Aqueles que precisam viver algo extraordinário perderam o encanto do trivial, do simples e do cotidiano ou passam uma vida entediante.
Até 200 anos atrás, o coletivo era aparentemente mais importante que o individual.
A modernidade ocidental é uma cultura em que o indivíduo é maior do que o coletivo. Seus primórdios são, sem dúvida, a própria chegada do cristianismo, que é uma religião profundamente individualista, o que não significa nem um pouco egoísta; significa que o indivíduo e sua liberdade são maiores e mais importantes do que o coletivo.
Primeiro e segundo testamentos:
“O mundo se tornou o reino do mal. O mundo é o reino irreconciliável de Deus. O mundo é o inimigo irreconciliável do príncipe celestial e de seus seguidores. O mundo se tornou um lugar onde Satanás reina e onde tudo lhe obedece.
É por isso que é lutando contra ele que podemos ter acesso ao reino de Deus – ou reino dos céus. O céu pode ser entendido no sentido estrito de um ponto de vista religioso, ou pode ser, no sentido amplo, o céu das ideias: utopias, a sociedade perfeita, a luta de classes e os versos lógicos do ‘deveria ser’ da mesma natureza.”
O futuro ancestral.
Perguntas: O outro humano hoje pode ser substituído pelo outro artificial?
O “outro” artificial está cada vez mais entre nós.
Avatares cada vez mais aprimorados e complexos povoam as redes sociais e os meios de comunicação.
Podemos ser um, dois ou milhares.
Crianças, jovens e idosos se relacionam diariamente com algoritmos nas mídias sociais, conversam e se emocionam com eles.
Os avatares passam a ocupar um lugar existencial nos relacionamentos.
Nós incorporamos, hospedamos; eles se tornam parte de nossas identificações na formação de nosso ser e de nossa identidade.
Ainda não sabemos o resultado desses relacionamentos,
mas já sabemos que eles criam uma desconexão com o ser humano,
como se seu amigo virtual fosse suficiente para você viver e fosse menos incômodo.
Muitos jovens de hoje têm dificuldade de conviver com outros seres humanos.
E isso é apenas o começo.
Há pesquisas em universidades que já estão bem avançadas,
que mostram que o cérebro pode ser decodificado por meio de tecnologias, chamadas de neuro-tecnologias, ou seja, nossos pensamentos e imagens podem ser transferidos para máquinas e o contrário também: pensamentos e imagens podem ser inseridos no cérebro e fazer parte dele.
Afinal de contas, somos seres hospedeiros.
Você consegue imaginar o que isso significa?
Estão até criando leis de direitos humanos para proteger nossos pensamentos, imagens, criações.
Ah, os outros são tantos…. outros fora, outros dentro…. A família cresceu, assim como suas influências e controles. Ainda não sabemos as consequências desses novos relacionamentos.
Termino com um poema do polonês Wislawa Szymborka, ganhador do Prêmio Nobel.
Nada Duas Vezes
Wislawa Szymborska
1923-2012
Nada acontece duas vezes
nem acontecerá. Esse é o nosso destino.
Nascemos sem prática
e morremos sem rotina.
Mesmo que sejamos os piores alunos
na escola deste mundo,
nunca repetiremos
nenhum inverno ou verão.
Nenhum dia se repete,
não há duas noites iguais,
não há dois beijos idênticos,
não há dois olhares iguais.
Ontem, quando alguém falou
seu nome perto de mim
foi como se pela janela aberta
uma rosa caísse do jardim.
Hoje que estamos juntos,
nosso caso não dura.
Rosa? Qual é a aparência de uma rosa?
É uma flor ou é uma pedra?
Por que você tem, nesta hora ruim,
para trazer incerteza com você?
Você vem – mas você vai passar.
Você passa – essa é a beleza.
Sorrindo e abraçando,
tentaremos viver sem mágoas,
mesmo que sejamos diferentes,
assim como são duas gotas de água”.
Obrigado.